Quando ingressamos em um curso de licenciatura, no ensino superior, existe uma boa chance de que abracemos o caminho profissional da docência. Caso estejamos em graduações como Pedagogia, História, Geografia ou Letras, cujos currículos se desdobram nos ensinos fundamental e médio, tal possibilidade é ainda mais presente. Ao longo de (pelo menos) quatro anos – ou oito semestres -, fora o conhecimento específico a cada campo do saber, também vamos aprender sobre a melhor forma de passá-lo adiante. Técnicas de ensino, os desafios da sala de aula… E as anedotas sobre situações envolvendo o embate perpétuo entre a autoridade docente e a energia dos alunos – “causos” comentados por professores mais experientes, entre risos ou choro.
Além do conhecimento e dos procedimentos em sala de aula, não podemos esquecer das reflexões de caráter estrutural, sobre a falência da educação no Brasil: a cisão entre a escola pública e gratuita, maltratada pelo administração estatal, e os colégios particulares destinados à elite. Interessante notar, aliás, que, à semelhança da classe média, também desaparecem os colégios particulares medianos. Quais os responsáveis e as responsabilidades por esse quadro caótico? Entre os suspeitos de sempre, poderíamos falar da falta de verbas, do descaso da sociedade, da transformação de problemas sociais em casos de polícia…
Diante desse quadro complexo, que envolve formação, as lutas da sala de aula e os problemas fundamentais da educação no Brasil, temos apenas duas certezas. Primeiro, persiste uma visão romântica do papel da escola como a responsável pela solução de todos os problemas da humanidade. Tal qual o Super Homem, caberia a essa instituição combater todo o mal de nosso planeta, para tranquilidade dos seus habitantes. Segundo, se a escola não consegue dar cabo de todas as calamidades, a responsabilidade, em grande medida, é dos professores. Nessa narrativa decorada por qualquer “gestor” estúpido, o professor sempre chega atrasado, falta muito, está desanimado, não se atualiza, trata mal aos alunos, etc. Isso quando não é um perigoso comunista que precisa ser denunciado.
Pois bem, para essas duas pretensas certezas, podemos oferecer duas respostas. A escola não pode dar conta, solitariamente, de todos os problemas do mundo – nenhuma instituição pode fazê-lo. Ela é um componente importantíssimo para constituição de uma sociedade bem instruída, educada, democrática e plural; mas é um componente. Para que um projeto de convívio humano mais civilizado se concretize, é fundamental a participação de diferentes agentes: Estado, organizações da sociedade civil, famílias, movimentos/partidos políticos, intelectuais, denominações religiosas, entidades esportivas, forças de segurança, etc. Pense em um agente ou instituição social, por mais improvável que seja, e saiba que ele tem um papel a desempenhar na reforma da sociedade.
Do mesmo modo que a escola não é a solução para tudo, os professores não devem ser confundidos com super heróis (ou super vilões). Eles não possuem super poderes e têm necessidades bastante triviais: comer, beber, dormir, vestir, morar e receber o devido reconhecimento pelo trabalho. De modo geral, tais necessidades não são satisfeitas com os salários pagos a essa categoria profissional. Muitas vezes, a docência é vista como um “bico” para completar o rendimento mensal ou uma forma de conferir status a um currículo. Além das urgências materiais, o questionamento da autoridade em sala de aula também é problemática: a pretexto de combater o autoritarismo – o que é muito importante -, a autoridade derivada do conhecimento é descartada. Some-se a isso a falta de recursos, do giz aos livros na biblioteca; as situações de extrema vulnerabilidade social dos alunos; o patrulhamento ideológico; as desastradas intervenções policiais em escolas; e mais tantos pequenos e grandes problemas. Chega a ser escandaloso que, em tal contexto, alguém tenha a coragem de apontar o dedo para o professor como personagem principal da catástrofe.
Mas isto deveria ser uma lista de filmes, não é mesmo? Essa longa introdução serve para explicar os critérios utilizados para montagem da seleção abaixo. Foram deixados de lado os filmes estadunidenses que cultivam a imagem ingênua, no pior sentido, do professor que aparece repentinamente para salvar toda uma comunidade. Esse tipo de história, típica da sessão da tarde, não encontra eco na realidade. Apenas serve para reproduzir a ideia deturpada de que as soluções são mágicas e dependem de um “eleito” que irá surgir em um alazão branco.
Assim, os filmes abaixo pertencem a três categorias:
- Os documentários que mostram desafios reais da docência, principalmente no Brasil. Caso de Carregadoras de sonhos, com professoras da rede de ensino de Sergipe – com suas lutas em meio à precariedade de escolas sucateadas e uma situação de grande pobreza -; e Pro dia nascer feliz, com ênfase nos depoimentos de alunos e alunas de três estados brasileiros, de escolas públicas e privadas, com destaque para suas inquietações e sonhos adolescentes;
- Os filmes de ficção que possuem ecos documentais, caso de Entre os muros da escola, longa-metragem francês que mostra as adversidades enfrentadas por um professor em uma escola povoada por alunos carentes e filhos de imigrantes. Esse é um bom exemplo das situações que simplesmente escapam ao controle de um docente, por melhores que sejam suas intenções. A onda é uma obra que mostra um experimento social sobre regimes políticos autoritários, com ênfase na autocracia, realizado em uma escola alemã. Trata-se de outro exemplo de situação que pode fugir ao controle de um educador – sendo que, nesse caso, a postura ética do mesmo deixa a desejar. A trama foi baseada em evento similar que realmente ocorreu em uma escola estadunidense;
- Por fim, duas tramas ficcionais que mostram como professores “desviantes” podem afetar a vida de alunos e comunidade. Neste caso, não se trata de voltar à figura do “super herói”, mas, antes, de perceber como abordagens pedagógicas inovadoras podem ser recebidas com espanto ou resistência. Para essa categoria, temos duas produções de origem estadunidense: o muito aclamado Sociedade dos poetas mortos e, embora menos famoso, o interessante O clube do imperador.
Lista de filmes
- Carregadoras de sonhos (documentário, Brasil, 2009). Confira aqui;
- O clube do imperador (The Emperor’s Club, ficção, Estados Unidos, 2002). Confira o trailer aqui;
- Entre os muros da escola (Entre les murs, ficção, França, 2008). Confira aqui;
- A onda (Die Welle, ficção, Alemanha, 2008). Confira aqui;
- Pro dia nascer feliz (documentário, Brasil, 2005). Confira aqui;
- Sociedade dos poetas mortos (Dead Poets Society, ficção, Estados Unidos, 1989). Confira o trailer aqui.
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Imagem: alunos da rede pública. Autoria: Sumaia Vilela/Agência Brasil.
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