O que é a Sociologia da Gestão?

Um novo campo de estudo nas ciências humanas e sociais

O que é a Sociologia da Gestão? Eis uma pergunta difícil de responder, embora possamos oferecer algumas definições provisórias. Vamos a elas. Em meados da década de 1970, o mundo pôde observar o surgimento de uma combinação peculiar. O discurso conservador quanto aos costumes ressurgiu associado à radicalização liberal no campo econômico. Assim sendo, visões de mundo conservadoras, dormentes durante a vaga transformadora dos anos 1960, passaram a uma relação de retroalimentação junto à retórica do liberalismo exacerbado  – e vice-versa. Três fenômenos sociais podem ser notados como decorrências dessa associação:

  • A grita por desregulamentação das atividades econômicas – o que pode ser visto com nitidez no ataque à legislação trabalhista e à regulação dos mercados financeiros;
  • O progressivo desmonte do Estado de bem-estar social (welfare state) e, antes, dos mecanismos de arrecadação que o mantêm em funcionamento;
  • Substrato da organização das agências e serviços públicos desde o final da 2ª Grande Guerra (1939-1945), o discurso da solidariedade social é paulatinamente substituído pela tríade meritocracia, empreendedorismo e desmobilização sindical.

Nesse contexto, o trabalho gradualmente perde sua centralidade como categoria social e sociológica para elaboração da vida prática e das reflexões teóricas sobre a realidade, em seus aspectos existenciais e econômicos. O indivíduo, sem a certeza de uma carreira em longo prazo, perde a capacidade de construção de uma narrativa da própria existência. Nossos avós sabiam, desde muito jovens, como seria sua vida de trabalho, a construção de uma família e o usufruto da velhice. Nós não sabemos se o nosso emprego vai durar até o mês que vem. Não se trata mais, portanto, de trabalho, da produção de mercadorias, da prestação de serviços, da realização de algo palpável. Trata-se, antes, daquele quadro circense do equilibrista de pratos: muita correria, muita ansiedade e suspense, alguma técnica, uma exibição de qualidade limitada e, ao fim, algumas palmas não muito empolgadas. Esta é a vida, se é que se pode chamar assim, do trabalhador no mundo contemporâneo: um espetáculo de pouco conteúdo, sem solução de longo prazo e com um protagonista permanentemente atormentado.

Neste mundo “flexível”, em que a segurança de tempos fordistas há muito se foi, importa menos o trabalho, enquanto tal, e muito mais a gestão. O fazer, em si, e a atividade-fim perdem espaço para uma miríade de criações que abordam os processos de produção. Tais processos, aliás, passam a ser tratados de modo bastante peculiar: não se trata mais de uma questão de engenharia de produção e, tampouco, das ciências humanas. Trata-se da era dos experimentos psicologizantes, de muita criatividade, poucas preocupações éticas e efetividade duvidosa. Multiplicam-se os mecanismos de controle do trabalho, que tentam dar conta da jornada, do grau de comprometimento, das reflexões do trabalhador, seu modo de agir etc. Entramos na era do coaching, de vestir a camisa, construir o networking e de anular qualquer possibilidade de análise crítica das tarefas que realizamos.

A Sociologia da Gestão tem por objetivo analisar tais transformações do mundo do trabalho e perceber em qual momento o protagonismo da atividade produtiva foi substituído pela ideia de gestão e seus desdobramentos. Também cabe compreender quando a administração, como campo de conhecimento acadêmico, foi fagocitada por uma incrível variedade de práticas e experimentos pseudocientíficos: rituais místicos, mapas astrais, constelações familiares e toda sorte de constrangimentos “quânticos” e “holísticos” com o objetivo de gerar ganhos de produtividade.

Finalmente, a Sociologia da Gestão é um exercício de crítica a uma realidade em que gerir se tornou atividade mais relevante que produzir.


Foto: Divisão de classificação e catalogação dos Arquivos nacionais, EUA (1937). Domínio público.