Em um campo científico que luta para superar a excessiva especialização e retomar as virtudes do saber generalista, nada mais difícil que incutir o interesse pelas ciências humanas aos graduandos de Administração. Pergunta onipresente nos cursos universitários do país, basta esperar e, lá pela segunda aula, ela vem certeira: “mas, professor/a, para que serve isso?” Questão corriqueira em disciplinas como sociologia, ética, filosofia, psicologia e outras com conteúdos similares. A resposta é bastante simples. Entre as famosas “funções” do administrador, discutidas desde Taylor e Fayol, o ato de planejar merece destaque. Sem planejamento não há investimento, expansão da produção, controle adequado de custos, projetos em longo prazo ou inovação. Sem planejamento, aliás, fica difícil até o simples ato de contratar ou demitir. Desse modo, projetar metas, definir objetivos e simular cenários futuros são competências fundamentais para um administrador minimamente capaz. Ainda mais em um contexto de constante aceleração tecnológica, integração de mercados e acirramento da competição.
No entanto, cabe dizer: planejar, naquilo que envolve simulações de futuro, é uma atividade complexa. Vai muito além dos números, planilhas, matemática financeira ou cuidado cotidiano com a gestão de pessoas. Envolve a compreensão de cenários de negócios e tendências econômicas mais amplas. Você trabalha com exportação de café? Então como foram as safras da Etiópia, Colômbia, Índia, Nicarágua e Indonésia ao longo do último ano? Afinal, não basta saber como foi o desempenho da produção em nosso país, é preciso considerar como os competidores internacionais se saíram. Está interessado em ações da Tesla, Inc.? Então imagino que tenha visto as trapalhadas na administração da empresa nos últimos meses – incluindo falas e atitudes desastrosas de seu CEO, Elon Musk.
Mas, para além das perguntas óbvias – “quem são os competidores?’ e “qual a situação da empresa em que pretendo investir?” -, há outras igualmente importantes e de maior dificuldade na resposta. Um exemplo ao nosso alcance: o que virá das eleições presidenciais de 2018 no Brasil? Para responder a essa pergunta, talvez faça sentido considerar a importância daquelas disciplinas que, embora desprezadas, podem ser muito úteis no exercício da análise política – ética, sociologia, filosofia, etc.
Cada um dos candidatos com possibilidades de vitória oferece uma linha de ação diferente para nosso país. Ciro Gomes (PDT), por exemplo, acredita em um Estado promotor da atividade econômica – com a fabricação, em solo nacional, de uma série de produtos que atualmente importamos (fertilizantes, remédios, equipamentos de defesa, entre outros). Um plano que, no passado, receberia o nome de “substituição de importações”. Sua candidata a vice, Kátia Abreu, representa um aceno relevante ao agronegócio. Fernando Haddad (PT), provável substituto de Lula, tem no currículo a promoção de programas de transferência de renda, o investimento na rede pública de ensino técnico e superior, financiamento da educação privada e o fortalecimento do investimento público em obras de infraestrutura (portos, ferrovias, refinarias, etc). Contra Ciro, pesa o temperamento explosivo; contra Haddad, o desfecho do governo Dilma, com problemas relativos à corrupção e endividamento público.
De perfil privatizante, alinhados a uma ideia de Estado mínimo, existem as opções de Geraldo Alckmin (PSDB) e João Amoêdo (Novo). O tucano vem de uma longa tradição de governos do PSDB em São Paulo e algumas realizações relevantes: a expressiva redução do número de homicídios (9,5 mortes violentas a cada 100 mil habitantes, enquanto a média brasileira é de 28,1); a expansão da rede de metrô da capital paulistana e a renovação da frota da CPTM; a relativa saúde das contas do Estado; e a manutenção de um padrão de serviços públicos que vai da rede hospitalar ao Poupatempo. Em sentido contrário, há que se considerar a grande expansão de uma facção criminosa com origem em seu Estado; a suposta participação em esquemas ilícitos de financiamento de campanhas eleitorais; e a figura vacilante e pouco carismática do candidato. Amôedo, por sua vez, é um iniciante da política que traz, como principal novidade, o seu partido Novo. Alckmin e Amôedo apostam na redução do Estado, com mudanças na dose: enquanto o tucano é mais comedido ao falar de estatais, o representante do Novo parece disposto a uma pauta agressiva de privatizações e se coloca como representante do pensamento liberal.
Marina Silva (Rede), embora levante de maneira quase solitária uma das pautas mais importantes do século XXI – a causa ambientalista e da sustentabilidade -, não consegue afirmar de forma clara quais seus projetos para o campo econômico. Ora cita o uso produtivo e responsável de nossas reservas naturais, ora ataca a corrupção, mas, de forma concreta, pouco acrescenta nesse cenário.
Por fim, há a grande singularidade desta eleição, Jair Bolsonaro (PSL). Sem avançar nas polêmicas do candidato sobre costumes e comportamento – que não são objeto deste artigo -, Bolsonaro apresentou uma radical mudança de orientação econômica ao longo dos últimos anos. Transitou de um projeto conservador de corte estatista – mais alinhado aos anos da ditadura – para outro mais próximo ao campo liberal, de redução do Estado. Seu projeto econômico está sob a responsabilidade do economista Paulo Guedes, PhD pela Universidade de Chicago. Guedes, convicto liberal, advoga a privatização de estatais e a realização de reformas como a tributária e previdenciária. Bolsonaro, inclusive por suas posições radicais em certos temas, tem polarizado o debate político no Brasil. Para além da evidente e condenável barbárie do ataque, cabe questionar qual será o resultado político do atentado contra sua vida.
Como se nota, considerando apenas os candidatos mais importantes e/ou bem colocados nas pesquisas, há múltiplas possibilidades de cenários futuros. Cada postulante apresenta programas políticos e econômicos com visões muito distintas do Brasil. E, na hora de planejar investimentos e atuar como administrador, a radicalização, o sentimento de “torcida” ou a discussão acalorada no bar são de pouquíssima utilidade. Nesse momento, as perguntas corretas são: qual a diferença entre estatista e privatista? O que é um liberal? Quais as vantagens de um Estado mais presente na economia? Quais teses sustentam a noção de “Estado mínimo”? Devemos importar ou fabricar por aqui? A solução para nossos problemas é keynesiana ou devemos recorrer a programas de austeridade? E a mais importante: futuramente, qual linha de ação minha empresa deve adotar em cada um desses cenários?
Para responder aos vários questionamentos do parágrafo anterior, a matemática financeira pura é de pouca ajuda. Já as ferramentas sociológicas de análise da realidade, o estudo de história do Brasil e as bases filosóficas de cada abordagem econômica são indispensáveis. Justamente por isso, considero respondida a questão sobre qual a importância das ciências humanas para o trabalho do administrador.
Foto: Agência Brasil.
Adquira e colabore para manutenção do Portal Sociologia da Gestão: