Magia, horóscopo e bola de cristal na administração

Outro dia, recebi um cartão que anunciava os préstimos de profissional que prometia alinhamento energético para pessoas e pets (bichinhos de estimação). Olhei para essa exótica oferta e tive um ataque de riso – e incredulidade. Longe de mim encarnar o espírito comteano do positivismo ou coisa que o valha. Muita coisa importante se resolve pelas artes ou pela apreciação estética. Não obstante, impressiona a multiplicação de serviços que poderíamos classificar como “criativos” – ou exóticos, disparatados, insensatos…

Guardei o cartão em minha carteira e fiquei a refletir sobre a oferta de serviços nele contida. Tive, então, uma singela epifania. Esses serviços, um tanto afastados do rigor experimental e, portanto, da ciência, estão a se proliferar também nos campos da administração e gestão. Você consegue encontrar todo tipo de consultoria: investimentos orientados pelo zodíaco; abordagens quânticas da gestão de pessoas; todas as variações possíveis e imagináveis do coaching; fadas madrinhas que garantem transformar milhares de reais em milhões, em poucos anos… Serviços de efetividade duvidosa, que costumam custar caro e, nesses tempos mágicos, muito procurados. Isso tudo lembra um pouco aquela figura do curandeiro, na virada do século XIX para o XX, que passava de cidade em cidade oferecendo um tônico milagroso, capaz de curar tudo.

Eu tentaria uma explicação para esse bizarro fenômeno em duas frentes. Primeiro, a onda de anti-intelectualismo que enfrentamos, nesta segunda década do século XXI, tem demonstrado uma força incrível. O revisionismo histórico e científico produz pérolas diárias: a Terra é plana; não há aquecimento global; vacinas são perigosíssimas; o nazismo é uma ideologia de esquerda; a culpa pela escravidão seria dos próprios escravos… Escolha uma área do conhecimento e lá teremos uma barbaridade sendo repetida como verdade – ainda que nada nos livros de história ou biologia a sustente. O mesmo vale para administração e gestão: horóscopo, energia, alguma coisa quântica, gritaria em grupo, etc.

Segundo, o atual arranjo do mercado de trabalho favorece essa incrível criatividade. As carreiras e a vida profissional, como concebidas no fordismo e no toyotismo, estão em processo de extinção. A ordem é empreender, criar, ser o patrão de si mesmo, inventar um trabalho e sair a vendê-lo na selva da meritocracia. Na ausência de uma legislação trabalhista consistente, de carreiras sólidas, de um Estado fiscalizador ou de empresas que valorizem a estabilidade, resta aquilo que a tal acumulação flexível de capital faz de melhor: dizer a cada um que se vire. E se é preciso colocar comida na mesa, nessa guerra de todos contra todos, vale o home office, o Microempreendedor Individual (MEI), a “pejotização” e qualquer invenção!

Precisa de uma orientação para os negócios pela combinação de tarô, búzios, runas, horóscopo, energias místicas e incenso? Temos, claro!

Acho até divertido esse mundo do charlatanismo: cheio de cores, caras, bocas e previsões para encantar o interlocutor. Mas, enfim, se não há método, nem abordagem experimental, tampouco análise científica, estamos diante de uma versão contemporânea do curandeirismo do tônico milagroso.

Mais vale, como digo aos meus alunos, chegar para aula no horário e dar uma boa lida em Taylor, Fayol, Weber, Mayo, Drucker e até nos manuais do onipresente Chiavenato. As regras do 5S, o ciclo do PDCA, os princípios da produção enxuta, o diagrama de Ishikawa, a gestão de projetos via programas de computador, tudo isso ajuda, tudo isso é fundamental. Assim sendo, administrador, aceite a dura realidade: não há uma cura milagrosa para todas as doenças e não há magia que resolva problemas de gestão. Mas existem bons médicos e hospitais e há, também, a formação ampla, com um bom leque de competências, muita leitura, conhecimento dos clássicos da administração e das ferramentas eletrônicas atuais. Todo o resto é bruxaria de quinta categoria.


Foto em destaque: Arnesh Yadram em Pexels.com.


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