Vamos falar de educação e trabalho?

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No capitalismo contemporâneo, nesta fase que chamamos de “acumulação flexível de capital”, temos observado mudanças relevantes no mundo do trabalho. Mudanças que possuem impacto, também, na educação e seus formatos pedagógicos. De forma objetiva, podemos notar dois fenômenos centrais:

  1. O trabalho – como carreira, prática profissional e meio de realização pessoal – perde espaço para as formas de gestão;
  2. A educação desloca seu eixo dos programas conteudistas para abordagens que valorizam habilidades e competências.

Nesses dois pontos, o que percebemos é a perda de importância do conteúdo e a valorização das formas e processos. Ou, em outras palavras, é como se deixássemos de fazer a pergunta “o que é isso?” e, em seu lugar, adotássemos “como se faz isso?” Os discursos corporativos passam a valorizar os processos de gestão, o ganho de produtividade e a entrega de resultados. Ato contínuo, o mercado educacional deixa de concentrar seus esforços na transmissão de conhecimentos e passa a adotar uma postura em que o aluno deve acumular capacidades geradoras de empregabilidade.

Nesse contexto, não tratamos mais de carreiras estruturadas, tempo de serviço ou do orgulho na realização de determinados ofícios. Do Google à Ambev e entre todos os terceirizados, a cobrança é voltada às ideias de empreendedorismo, meritocracia e, principalmente, a realização de objetivos. As pessoas devem bater metas, pelos meios que julguem necessários e adequados. O conhecimento deve ser mobilizado a toque de caixa, somente quando necessário para realização de determinadas tarefas. Consequentemente, na outra ponta, dos cursos universitários que devem formar profissionais com tal perfil, os alunos são estimulados a aprender apenas competências diretamente utilizáveis: o computador, a capacidade argumentativa, o uso de planilhas, a criação de currículos, etc.

Tanto o trabalho quanto a formação acadêmica passam a ter um sentido muito mais utilitário. Ao ponto em que não se fala mais de trabalho, mas de resultados e gestão. E também não falamos mais de conhecimento, mas de capacidades produtivas.

Isso faz sentido?

Devemos considerar que tais fenômenos aparecem como reações à monotonia fordista e/ou às abordagens pedagógicas mais convencionais e conservadoras. Assim, ao invés de ficarmos presos a um trabalho repetitivo e burocrático, como nossos pais e avós, somos estimulados a correr riscos, agarrar oportunidades e batalhar para alcançar o mérito. Do mesmo modo, depois de atravessarmos o século XX com alunos sendo entupidos de informações – como os infinitos afluentes do Rio Amazonas -, formatos mais dinâmicos e atraentes de ensino vieram substituir o conteudismo mais radical.

Mas duas ponderações merecem nossa atenção. Primeiro, quanto ao trabalho, há uma dimensão política dessa transformação que é constantemente negligenciada. O maior dinamismo veio acompanhado da perda de direitos trabalhistas e, portanto, maior insegurança. Os indivíduos se veem atomizados, sem integração em coletividades como sindicatos ou associações e, desse modo, só lhes resta discutir contratos de forma individual com seus empregadores. Segundo, temos estudantes com verdadeiros cardápios de competências à disposição das empresas mas que, por outro lado, carecem de conhecimentos básicos sobre a realidade. O que foi a Crise de 1929? A Segunda Guerra Mundial? Como definir o conceito de capitalismo? Quais as diferenças entre keynesianismo e escola austríaca? O que queremos dizer quando afirmamos que uma pessoa é de esquerda ou direita?

O propósito deste artigo é oferecer uma reflexão produtiva sobre o atual arranjo do trabalho e as possibilidades de formação acadêmica. Pode ser interessante retomar o sentido do trabalho, para que possamos dizer com o que trabalhamos, em quais horários, com quais pessoas e por que aquilo nos faz felizes. Embora essenciais, as planilhas e os resultados não podem ser os únicos elementos orientadores de nossa existência. É preciso que exista um propósito no que fazemos. Eu, por exemplo, sou professor porque gosto de ensinar, preparar aulas e orientar meus alunos. Quero sempre ser o melhor, mas, antes, sou apaixonado pelo que faço.

Quanto à pedagogia, não se pode ignorar o advento do fluxo informacional, das novas ferramentas de pesquisa e a importância das competências. De fato, um aluno não pode sair com o diploma embaixo do braço, para enfrentar o mercado, se não dispuser de algumas habilidades que o qualifiquem para a atuação prática. Mas o conhecimento e os dados da realidade não podem ser ignorados. Por mais antipático que isso possa parecer, ainda há (muita) utilidade na leitura, nas grandes obras, nos verbetes da enciclopédia e na discussão aprofundada de certos temas. Ainda faz sentido, portanto, que certas aulas sejam expositivas.

Enfim, como digo aos meus alunos, em Harvard, Oxford, Cambridge ou na Universidade de Paris, os alunos ainda lidam com professores que fazem longas palestras e cobram muita leitura. E essas continuam sendo as melhores instituições de ensino do mundo. Desse modo, aprendam a usar o computador e suas infintas possibilidades. Desenvolvam o gosto pelo empreendedorismo. Mas passem um bom tempo na biblioteca e prestem atenção ao professor que tenta explicar um tópico complexo de sociologia.


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